Há mais de duas décadas morando no Japão, a vontade de subir o Monte Fuji sempre existiu e sabia que seria um desafio. Porém, foram surgindo outras prioridades na minha vida, inclusive o de ser mãe.
A idéia de deixar o meu filho pequeno sob os cuidados de uma outra pessoa para viver essa aventura estava totalmente fora de questão. Além disso, eu tinha a minha cachorrinha Nina que dependia de mim para os passeios diários. E os anos voaram….
Tudo tem o momento certo para acontecer e finalmente no início desse ano, com o filho crescido e infelizmente sem a Nina, decidi que esse ano eu não iria mais apenas contemplar a beleza do Monte Fuji de longe, mas sim encarar uma longa subida que seria inesquecível.
A princípio, eu iria sozinha mesmo. Mas eu tive muita sorte, pois dois alunos me convidaram para acompanhá-los justamente na data em que eu havia escolhido ir.
A temporada oficial para subida do Fuji é entre início de julho até meados de setembro. Esse vulcão está inativo desde 1707 e fica localizado entre as províncias de Shizuoka e Yamanashi. O Monte Fuji é dividido em 10 estações, sendo a primeira na base e a décima na cratera do vulcão que é o topo.
Existem estradas pavimentadas que levam até a estação 5, onde grande parte das pessoas iniciam a subida. A partir daí existem quatro trilhas que se iniciam de diferentes partes da montanha.
Escolhemos a trilha que sai de Fujinomiya, já a 2.400 m de altitude e esse trajeto tem como característica ser mais curto, porém possui alguns trechos mais difíceis e o percurso costuma ser feito em mais ou menos 5 horas.
Eu acreditava estar fisicamente preparada para subir esse monte pelo estilo de vida que sigo há anos. Frequento há 12 anos a mesma academia, sou adepta do jejum intermitente, me tornei vegetariana há quase 2 anos e no último ano perdi 13 quilos.
Fora isso, eu não bebo, não fumo, não tomo refrigerantes e mantenho uma alimentação saudável. Porque estou dizendo tudo isso? Perai….mais um pouco…
Também estava com uma mochila mega equipada contendo lanternas, capa de chuva, roupas de frio, água, proteínas, chocolate 70%, água e outros itens. Tudo dentro dos conformes para a grande aventura. Ah! É importante levar roupas de frio, pois na época da temporada, as temperaturas da base da montanha até o cume variam de 30° até abaixo de 0°C.
Vivendo essa Aventura
Iniciamos a subida às 22h para podermos ver o nascer do sol às 4:30 da manhã. Nos primeiros 200 m de subida eu já senti um enorme cansaço e uma falta de ar enorme. Para completar, ainda caí e machuquei o joelho.
Logo pensei, que mico! Como eu explicaria para os meninos que eu iria parar, sendo que nem havíamos começado? Lembrando que anualmente idosos e crianças acompanhadas de seus pais fazem esse percurso ! Fala sério heim? Eu não estava acreditando que com todo o meu preparo físico e com hábitos saudáveis não conseguiria!
Para não ficar feio para o meu lado, me esforcei para chegar até chegar a estação 6 que não era tão longe, aproximadamente 40 minutos. Alcançando a estação 6 e com o corpo já aquecido, coloquei como meta a próxima e assim fui fazendo de estação em estação.
E a cada meta vencida, o objetivo ia ficando mais próximo. Junto a isso o joelho ia doendo, a dificuldade em respirar ia aumentando devido a altitude, mas eu continuava motivada.
Respeitando o meu tempo, com muitos escorregões e machucados, consegui chegar a estação 9, após 6h subindo. Sentei em uma pedra, na mais completa exaustão eu contemplei o espetáculo maravilhoso que o colorido do nascer do sol nos proporciona. Naquele momento eu me senti orgulhosa por estar ali, porque não foi fácil. Não é fácil!
O caminho é estreito e forma filas intermináveis, o terreno é escorregadio, com areia e pó de lava, pedras pequenas, grandes e enormes, sem contar do vento incessante. Durante o trajeto, ao mesmo tempo em que você transpira, você também sente muito frio.
E ainda teria a descida…. Como diz o ditado, para descer todo santo ajuda né?!
Mas lá não é bem assim. É outro desafio que deve ser realizado com bastante cuidado, pois por causa das pedras existe um grande risco de torcer o tornozelo em um passo em falso.
Antes que o sono tomasse conta, resolvemos descer para fazer isso com toda a atenção necessária. Perdi as contas de quantas vezes eu caí, numa mistura de cansaço com ainda mais pó de lava que sobe, pois o número de pessoas que sobem o monte Fuji de dia é maior do que as que sobem à noite.
Como a temporada de subida ocorre durante o verão, o calor pela manhã é insuportável. Retornar ao ponto de partida foi uma missão quase que impossível naquele contexto, principalmente pelo cansaço, eu cheguei literalmente me arrastando.
O que eu poderia dizer dessa aventura?
Várias pessoas disseram o quanto seria difícil percorrer esse trajeto e tentaram me convencer a não ir. Esse conselho veio inclusive de pessoas que nunca foram. Preferi seguir a minha vontade e ter a minha própria experiência.
Eu não repetirei essa aventura, mas isso não que dizer que eu me arrependa de ter ido. Os locais costumam dizer que você tem que subir o Fuji pelo menos uma vez na vida, mas só um tolo o faz duas vezes. Apesar desse ditado, é comum pessoas que vão anualmente, porém são as mais aventureiras.
Agradeço por não ter desistido e ter me esforçado até o meu limite, pela oportunidade e o apoio dos amigos que se não fossem eles estarem juntos, eu com certeza não teria ido tão longe.
Dicas para quem nunca foi
- Existem cabanas na montanha que você pode pagar por hora para descansar ou pagar uma pernoite que pode até incluir refeição;
- Não tente subir rápido que você pode sofrer da doença da altitude, pois o corpo humano necessita de um tempo para se ajustar a um pequeno aumento de altitude e se esse tempo não for respeitado pode te dar dor de cabeça, tontura e náuseas;
- Leve água, porque a cada estação ela vai ficando mais cara e é importante que você se mantenha hidratado;
- Não exagere em alimentos, pois provavelmente você não comerá tudo e se tornará um peso extra;
- Os banheiros são pagos, então mesmo que você não pretenda comprar água ou alimento é importante que você leve dinheiro em espécie;
- É possível comprar oxigênio lata de oxigênio caso necessite;
- Providencie uma botinha de seu número exato, o mais indicado é aquele modelo próprio para trilhas. Além de uma maior conforto, evitará que entre areia e pó de lava dentro. Eu escolhi para ir com um bom tênis e retornei com o mesmo destruído, assim como as unhas dos pés que mesmo curtinhas, devido ao esforço da descida, bateram na ponta do tênis por longas 4 horas;
- Provavelmente você irá cair, escorregar, leve algo para um curativo caso necessário;
- Se você pretende subir a noite, escolha uma boa lanterna para levar;
- É interessante levar um cajado ou até mesmo comprar lá, pois te ajudará tanto na subida quanto na descida;
- E bons amigos para te acompanharem nessa aventura, eles tornaram obstáculos mais fáceis e te incentivarão bastante!